02 | Editorial

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Pontos sobre Linhas, Redes de Nós

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Pontos sobre linhas1, Redes de Nós

[outono 2013]

 

Desde o início da humanidade, homens e mulheres organizam-se em grupos. É no âmbito do coletivo que construímos a linguagem, trocamos signos, criamos mitos, técnicas, tecnologias, além de desenvolvermos a inteligência através de vínculos afetivos. De grupo que se organiza em torno do alimento, da segurança e da procriação, passamos à organizações complexas, controladas por sistemas de regras, as quais poderíamos chamar Estado – ou Religião, dependendo do caso – até chegarmos à situação atual da sociedade, em que praticamente dominamos e mapeamos o espaço do planeta e, consequentemente, a população humana.

Por mais que hajam ainda territórios incógnitos[2] e minorias invisíveis, tudo indica que, se não existirem movimentos de resistência, restará pouco espaço para ilhas piratas num futuro em que a rede de comunicações irá englobar o mundo.

Mas o que é a vida senão o estar-em-relação? Em relação com o alimento, com o ar, com a terra, com tempo, com a gravidade. Com predadores, presas, semelhanças, alteridades. É este afetar e ser afetado que provoca os seres vivos à transformação. Mas não somente os seres vivos: os elementos químicos estão sempre em relação contínua, um movimento incessante que é o princípio fundador da natureza.

Toda obra de arte busca, de alguma forma, afetar o indivíduo e o coletivo, alterar suas percepções do entorno, desafiar ideias preconcebidas. E esta interação se constrói sobre a instabilidade e a vulnerabilidade do sujeito, que deixam de ser fraquezas e se tornam condição para que a própria potência criativa possa emergir. É diante do embate com a contingência que a vida pode abrir-se à reconfigurações existenciais – mutações que poderão transformar o espaço externo e criar novas possibilidades de mundo.

Deixar-se permear é colocar-se vulnerável ao conflito, mas nem por isso é desintegrar-se. Onde nos encontramos na rede tecida pela contemporaneidade?

A Carbono #02 pensa as REDES a partir de um artigo publicado recentemente na revista científica Nature, intitulado Cosmologia das Redes. A pesquisa foi liderada pelo russo Dmitri Krioukov, pesquisador que nos concedeu uma entrevista e explicou que o objetivo principal de seu campo de estudo é entender a dinâmica evolutiva das redes para então as prever e controlar.

Gerenciar redes: prever, controlar. Com quais interesses?

A rede é, a um só tempo, um espaço de libertação e de controle. Certamente é um lugar em que as relações estão potencializadas, mas também mediadas por mecanismos que nos escapam. Como colocou Hakim Bey:

Se fôssemos imaginar um mapa da informação – uma projeção cartográfica da net como um todo – teríamos que incluir os elementos do caos que já começaram a aparecer, por exemplo, nas operações de processos paralelos complexos, nas telecomunicações, na transferência de “dinheiro” eletrônico, nos vírus, na guerrilha dos hackers etc. (…) Cada uma dessas “áreas” de caos poderiam ser representadas por topografias semelhantes às do Mandelbrot Set, de forma que as “penínsulas” ficassem embutidas ou escondidas dentro do mapa e quase ”desaparecessem”. Esta “escrita” – que em parte desaparece e em parte se esconde – representa o próprio processo que já é parte intrínseca da net, não totalmente visível nem para si mesmo, in-Controlável.[3]

 

Nós, nódulos, pontos adensados em uma trama infinita: é isto que a Carbono vem buscar nesta segunda edição. Que a partir de uma pequena parte possamos vislumbrar um todo. Um todo falso, certamente; apenas uma miragem.

Antropologia, Biologia, Matemática, Design, Ciências da Computação, Física e, é claro, Arte Contemporânea, se entrecruzam nesta edição. E estes cruzamentos revelam que nos transformamos mais quando estamos em contato com a rede. Seriam Novas Bases para a Personalidade, como o artista Ricardo Basbaum sugeriu ser o potencial afeto da arte? Quem somos quando estamos em público?

Hakim Bey, em seu livro TAZ – Zonas Autônomas Temporárias (do qual nesta edição reproduzimos um trecho), nos incita a pensar possibilidades de resistência e de fortalecimento nos interstícios das redes dominantes. O artista Gabriel Mascaro subverteu os objetivos capitalistas da internet agindo como uma empresa, através da multinacional Amazon, e pagou 80 usuários/funcionários para usufruírem de um tempo livre. A crítica e curadora Paula Alzugaray discorre sobre os mecanismos de reedição e arquivação na obra do artista catalão Antoni Muntadas – estratégias para ressignificações da memória coletiva a partir de uma lógica de rede.

Bichos orgânicos e inorgânicos em interação. Os matemáticos Gregory e Virginia Chaitin e Ricardo Kubrusly dissertam sobre a Metabiologia – um experimento que cria organismos matemáticos com capacidades evolutivas semelhantes às dos seres vivos. Por outro lado, os biólogos Marcelo Bozza e Daniel Mucida levam nosso pensamento a imaginar a rede de 100 trilhões de bactérias que habita o intestino humano. O quão desmesurável deve ser nosso corpo para estes micro-organismos?

Ao adentrar o Bicho Suspenso na Paisagem, a obra penetrável do artista Ernesto Neto, somos nós os seres invasores na rede, tomando posse de seus cantos e explorando suas fibras. Mas redes também podem ter fibras invisíveis, feitas de ondas eletromagnéticas: a série de trabalhos Galena Spiritus, da artista Lilian Zaremba, nos revela que a descoberta de um cristal permitiu a invenção da comunicação via rádio – vibrações que estão sempre a se propagar, adentrando nossas membranas materiais e oníricas.

A rede pode ser imaterial, feita de idéias, como as redes de antropologia Abaeté e AmaZone. Em entrevista os antropólogos Eduardo Viveiros de Castro e Marcio Goldman comentam: “Uma rede não tem nem centro nem periferia, só pontos de adensamento.” Nós: pontos sobre linhas. Podemos vislumbrar alguns deles no trabalho de W. Bradford Paley: uma cartografia do pensamento científico contemporâneo materializada em um Mapa da Ciência.

O artista colombiano Daniel Salamanca Núñez tece sua própria rede de relações registrando há anos todos que conhece em Seis Graus ou O Mundo é um Ovo, enquanto na série Traças, Pontos e Linhas, a artista Fábia Schnoor tece as trajetórias das traças no interior de um antigo livro de ciência,

Talvez não passemos de bichos de seda fiando informação aos olhos de algum ser proveniente de um mundo de mais dimensões. Mas editar uma revista é costurar com linhas de pensamento, e aqui está a Carbono #02 a tecer pontos de contato entre distanciadas esferas do saber e da criação. É uma satisfação enxergar os nós nesta rede.

Boa leitura!

 

Marina Fraga
editora

 

 



NOTAS

[1] “A forma da obra contemporânea vai além de sua forma material: ela é um elemento de ligação, um princípio de aglutinação dinâmica. Uma obra de arte é um ponto sobre uma linha.” BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

[2] Este conceito foi desenvolvido no artigo “A Terra Brasilis como Terra Incógnita”, escrito pelo geógrafo André Reyes Novaes e publicado na revista Carbono #01, em dezembro de 2012 e disponível neste link.

[3] BEY, Hakim. TAZ – Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Editora Conrad, 2001.

 

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[outono 2013]

EXPEDIENTE:

Editora-chefe
Marina Fraga

Editor-assistente
Pedro Urano

Conselho Editorial
Marina Fraga
Pedro Urano

Colaboradores da edição #02 [Pontos sobre Linhas, Redes de Nós]
Aristóteles Barcelos Neto
Daniel Salamanca Núñez
Daniel Mucida
Danilo Ramos
Dmitri Krioukov
Eduardo Viveiros de Castro
Ernesto Neto
Fábia Schnoor
Gabriel Mascaro
Gregory Chaitin
Hakim Bey
Kadija de Paula
Lilian Zaremba
Maíra Santi Bühler
Marcelo Bozza
Marcio Goldman
Paula Alzugaray
Renato Sztutman
Ricardo Basbaum
Ricardo Kubrusly
Stelio Marras
Valéria Macedo
Virginia Chaitin
W. Bradford Paley

Ilustração
Vicente B. T. Bozza

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Traduções
Bruna Nunes
Marina Fraga
Patrícia Décia
Renato Resende

Design, Projeto Gráfico e Identidade Visual
Amapola Rios /Liquezen

Programação Web
Agência Rastro

Agradecimentos especiais a
Pedro Urano
Revista Cadernos de Campo
Hakim Bey
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Laura Lima
Beatriz Lemos
Sofia Saadi
Tapioca Filmes
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Tatiana Dager
Luiza Leite
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Família Ferreira Urano
Lis Urano
Ana Paula Santos
Funarte
Ministério da Cultura
e a todos os autores.